Quando Aquiles derrota Heitor e vinga finalmente a morte de seu colega Pátroclo, pode não ter ficado realmente claro o real significado das lágrimas do nosso herói. Apesar de Tróia definitivamente não ser uma adaptação exata da Ilíada de Homero, o filme ainda apresentaria algumas das principais questões levantadas pelo livro, como o famoso cavalo de troia, a invasão da impenetrável cidade e, é claro, a cobiçada Helena de Tróia – mas isso não era tudo.

Quando Heitor é derrotado e levado como troféu para junto dos seus inimigos, o pai do príncipe viria em busca de clemência, e Aquiles demonstraria pela primeira vez seus conflitos internos, aparentemente chorando pela morte do próprio inimigo. No entanto, as lágrimas de Aquiles iriam muito além de um simples sentimento de luto, ainda que acabassem não sendo devidamente explicadas em sua versão para as telas. Mas por que o herói grego lamentou a morte do inimigo troiano, afinal?

Aquiles respeitava Heitor, mesmo após o incidente

Tróia
Eric Bana como o príncipe Heitor em "Tróia" (2004) - Warner Bros./Reprodução

Embora cego pelos seus sentimentos de vingança, Aquiles não menosprezava seu adversário, com o espírito combativo de Heitor e sua lealdade à Tróia sendo alvo de respeito pelo herói grego. Além disso, ao pedido de Príamo por um enterro digno ao próprio filho, Aquiles também perceberia a brevidade da vida, assim como ele próprio estava destinado a morrer jovem. O desespero do pai perante a perda do príncipe também seria razão para suas lágrimas, que se compadeceria agora pelo homem enlutado – algo que ele próprio sofria com a perda do seu amigo.

Ainda tudo isso não impedisse Aquiles de buscar sua vingança contra o troiano, isso também não o tornava alheio aos conflitos humanos envolvendo a guerra, e como a perda de uma vida implica nas pessoas à sua volta. Aliado a todos esses sentimentos, a perda de Pátroclo também seria um dos motivos para seu sofrimento, que mesmo após a morte de Heitor não encontraria consolo em sua vingança.

No longa, no entanto, todas essas mudanças e sensações conflitantes não conseguiriam ser adaptadas de forma satisfatória para as telas, e acabariam até mesmo soando deslocadas em contraste a figura heroica que o filme fazia tanta questão de passar – esquecendo às vezes a parte humana do seu semideus.

Lágrimas mostrariam a humanidade de Aquiles (mas também sua fraqueza)

Tróia
Brad Pitt como o herói Aquiles em "Tróia" (2004) - Warner Bros./Reprodução

Além de todos os sentimentos internos desencadeados pela morte de Heitor, suas lágrimas ainda seriam uma demonstração simples da humanidade do herói grego, que apesar de suas origens divinas, não era livre dos sentimentos humanos e da morte que o afligia. Apesar de ser praticamente infalível graças às águas do Estige, Aquiles ainda possuía vulnerabilidades, e um presságio que garantia sua própria morte no campo de batalha.

Embora de forma despretensiosa, seu sofrimento dava vazão a essas questões, enquanto deixava claro que nem mesmo Aquiles estaria livre de todas as tensões envolvendo a guerra – mesmo que fosse ele próprio um semideus. Questões que o filme, apesar de todos os esforços, não conseguiria transmitir tão facilmente.

Livro deixaria ações de Aquiles ainda mais claras

Tróia
Brad Pitt como o herói Aquiles em "Tróia" (2004) - Warner Bros./Reprodução

Embora o longa de Brad Pitt esteja longe de um entretenimento vazio, a Ilíada de Homero definitivamente conseguiria expressar melhor a personalidade de Aquiles, que acabaria perdendo muito de sua humanidade quando transportado para as telonas. Enquanto o poeta grego agregaria diferentes camadas para seu famoso herói, Wolfgang Petersen sacrificaria muito dessa personalidade e se dedicaria principalmente no guerreiro arrogante e infalível que o personagem também poderia ser.

Box: Ilíada e Odisseia de Homero
Obras fundadoras da literatura ocidental, Ilíada e Odisseia são clássicos indispensáveis para qualquer leitor

Talvez por isso, quando as lágrimas caem e escorrem finalmente pelo rosto imperturbável de Aquiles, o público acabaria não entendendo completamente os sentimentos conflitantes do herói, e como ali havia uma carga dramática muito maior do que um simples sentimento de luto. Ainda que uma comparação entre nosso diretor e Homero seja, no mínimo, injusta.