Não é segredo que Ford vs Ferrari é baseado em uma história real, mas isso não significa que seus personagens sejam tão reais assim. Apesar de ser constantemente elogiado por seu realismo (até mesmo pela comunidade automobilística), o longa definitivamente nunca foi um documentário preciso dos fatos, mudando acontecimentos, acidentes e até mesmo personalidades inteiras de seus personagens – e isso é algo que Leo Beebe sabe como ninguém.
Apresentado como um típico vilão hollywoodiano, Beebe é descrito como um antagonista de poucos escrupulos e excessivamente decidido a não ter seus holofotes ofuscados por Miles (Christian Bale) e Shelby (Matt Damon), tramando e criando dezenas de situações desagradáveis para os colegas de profissão – mesmo supostamente trabalhando pelos mesmos objetivos. Na vida real, no entanto, a personalidade do empresário seria descrita de forma bem diferente por seus colegas e amigos, que não teriam nem mesmo queixas para relatar sobre ele. Mas quem foi o verdadeiro Leo Bee, afinal?
Quem foi Leo Beebe na vida real (e como ele era no filme)
Assim como no longa, a relação entre Beebe e Henry Ford também existiu, mas ela era muito mais familiar do que o apresentado nas telas. Os colegas, nascidos em 1917, atuariam juntos na marinha dos EUA durante os conflitos da Segunda Guerra Mundial. Nela, o relacionamento de ambos chegaria ao ponto do próprio Ford escrever uma carta em apoio a inscrição de Beebe para comissão como alferes, pontuando sua “liderança, cooperação, perseverança e resistência” (via dailysportscar).
Com o final da guerra, Ford escolheria o colega para ocupar um cargo em sua empresa, tornando-se uma figura respeitada entre os funcionários por sua oratória e capacidades de divulgação da companhia. No longa, no entanto, boa parte dessa personalidade seria perdida, e Beebe se tornaria alguém muito mais preocupado com os holofotes e a própria imagem nos jornais, tomando atitudes questionáveis e sendo um calo constante na parceria de Miles e Shelby.
Quando o piloto abriria larga vantagem na controversa corrida de 1966, Beebe seria apresentado como o principal culpado pela escolha de reduzir a velocidade de Miles para uma foto publicitária envolvendo os três carros da empresa. Na vida real, no entanto, ainda que o momento de fato tenha ocorrido, não haveriam provas contundentes para precisar ou não se essa foi de fato uma escolha de Beebe no fim das contas, sendo uma questão de constante debate até os dias de hoje – mas que seria respondida contra o publicitário no longa.
Apesar de ter existido, Leo Beebe definitivamente não era um vilão
Quando questionado sobre a veracidade de Ford vs Ferrari e seu colega empresário, Ron Jaworski, ex-quarterback dos Eagles e homem de negócios conhecido de Beebe, iria em apoio do suposto vilão da empresa, definindo o antigo parceiro como “uma joia de pessoa”. (via The Philadelphia Inquirer). Segundo o amigo, apesar da personalidade “durona” de Beebe, ele ainda era alguém que sabia lidar com as pessoas e as motivá-las – algo bem distante do marqueteiro frio que veríamos no longa.
“Eu lidei com muitas pessoas no mundo dos negócios, e não há ninguém que eu tenha em maior consideração do que Leo Beebe. Ele era durão, mas uma joia de pessoa. Eu o chamo de engenheiro humano. Ele entendeu como tirar o melhor das pessoas e como motivá-las.”
Jaworsky ainda faria questão de enfatizar que de “mil pessoas” que o conheceram, haveriam “mil opiniões positivas” sobre o colega, e que a imagem pintada sobre o empresário não poderia estar mais equivocada. Ao que tudo indica, o Beebe apresentado nas telonas parece ser uma caricatura nada agradável do verdadeiro marqueteiro da companhia, que apesar de um pouco “durão”, não parece merecer o título de vilão da empresa.
Por que Leo Beebe foi retratado como um vilão no filme?
Toda história precisa de um vilão, e Leo Beebe definitivamente servia para o papel. Mesmo com uma personalidade distinta na vida real, o cargo que ocupava e as escolhas que poderia ou não tomar dentro e fora das pistas fazia de Beebe uma figura perfeita para o papel de antagonista, permitindo que a trama pudesse se desenvolver em torno da clássica e conturbada relação entre empresário e piloto – mesmo que fantasiosa.
Apesar dos elogios a adaptação da história para as telonas, o longa nunca fez questão de ser um documentário preciso sobre a realidade, mas um recorte pontual sobre os eventos da época com o desejo simples de entreter – algo que definitivamente foi alcançado. O diretor James Mangold talvez tenha do que se explicar para os amigos de Beebe, mas os críticos e fãs do cinema certamente não carregam as mesmas mágoas quanto ao trabalho do cineasta, com quatro nomeações ao Oscar e duas estatuetas na prateleira apenas enfatizando isso.