Uma década se passou e o gosto amargo da Trilogia de Bilbo segue na memória dos fãs. Anos após o glorioso lançamento de Senhor dos Anéis, uma nova viagem para a Terra Média parecia difícil de dar errado mesmo para os fãs menos otimistas da franquia, com a adição do próprio diretor da saga original, Peter Jackson, deixando de lado qualquer pensamento de reprovação a essa história.

Infelizmente, o resultado dessa combinação acabaria se mostrando abaixo das expectativas, com a trilogia de Hobbit elencando na lista da maioria dos fãs como um dos piores trabalhos de Peter para a saga de Tolkien nas telonas. Mas, afinal de contas, o que fez com que O Hobbit e suas sequências fossem tão odiadas pelos fãs?

Não havia material para três livros

O Hobbit
Martin Freeman como Bilbo em “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” (2012) – Warner Bros./Reprodução

Não é segredo que o material original de O Hobbit era muito menor que o seu colega nas telonas. Enquanto a aventura de Bilbo contra as ameaças de Smaug eram narradas em um único livro, a trama do Bolseiro de Peter Jackson acabou se desenrolando em nada menos que três filmes para os cinemas, algo que exigiu adições e subtramas desnecessárias para alongar a história.

Além disso, O Hobbit sempre foi uma história para crianças. Ainda que situado no mesmo universo de Senhor dos Anéis, a aventura de Bilbo e seus colegas anões nunca foi uma trama voltada para os adultos. Embora as habilidades narrativas de Tolkien permitissem que a história fosse apreciada por todas as idades, o teor mais leve da jornada do Bolseiro e a própria forma como a ameaça de Smaug é retratada, deixam claro que a trama de O Hobbit não foi feita para ser um épico tão grandioso quanto as desventuras de Frodo.

Nesse sentido, um único filme poderia ter resolvido a maioria dos problemas da franquia. A volta à Terra Média e a adaptação de uma história inédita de Tolkien para as telonas já seriam o suficiente para levar qualquer fã de volta ao cinema, com o material original do Bolseiro sendo uma aposta menos arriscada para um projeto mais modesto.

Peter Jackson não sabia o que estava fazendo – literalmente

O Hobbit
Martin Freeman como Bilbo em “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” (2012) – Warner Bros./Reprodução

O próprio diretor Peter Jackson comentaria em conversas de bastidores que não sabia exatamente o que estava fazendo quando assumiu o comando da saga. Na época, o cineasta seria escolhido para substituir Guillermo del Toro após o cineasta mexicano enfrentar problemas referentes ao atraso das filmagens. Com o projeto já em andamento e um tempo curto para a conclusão das gravações, as coisas acabaram não dando muito certo, e Jackson precisou improvisar nos sets:

“Eu ia para os sets e sobrevoava eles, com aquelas cenas massivamente complicadas de fazer sem storyboards. Depois eu voltava para o chão. Eu passei a maior parte do tempo sentindo como se eu não estivesse no controle. Eu não tinha os roteiros completos para nossa satisfação, o que gerou uma situação com muita pressão”

Isso, é claro, influenciaria no resultado final, com a saga de Bilbo ficando abaixo das expectativas até mesmo nos quesitos técnicos. Além disso, a demanda pelo lançamento e a falta de um roteiro coeso ficam ainda mais evidentes quando comparado com a trilogia do Anel, que além de possuir um material mais fácil de ser trabalhado, contou com um tempo de gravação maior e mais de um ano de planejamento.

Uso excessivo de CGI

O Hobbit
Martin Freeman como o azarado Bilbo em “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” (2012) – Warner Bros./Reprodução

Enquanto seu colega de 2001 encontrava na simplicidade e no uso controlado dos efeitos digitais uma forma de dar mais realidade a sua história, O Hobbit aposta justamente na tecnologia para alcançar esse resultado. A escolha, é claro, se mostraria questionável, com a Terra Média de Bilbo soando menos verdadeira que sua contraparte passada.

Além disso, a decisão também afetaria diretamente nossos protagonistas, que se veriam atuando em telas verdes enquanto conversavam sozinhos em frente às câmeras – mesmo quando os diálogos fossem com pessoas reais. O resultado seriam interações menos convincentes entre os heróis, e uma atuação invariavelmente abaixo das expectativas. Embora o filme ainda fizesse uso dos efeitos práticos e cenários reais, os momentos em que isso não acontecia acabaram ganhando destaque.

Smaug não é tão icônico quanto Sauron – e nem poderia ser

O Hobbit
O dragão Smaug em "O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos (2014) - Warner Bros./Reprodução

Não é preciso refletir muito para perceber o problema. Enquanto a ameaça de Sauron cresce com o decorrer da saga, Smaug segue como um problema pouco perigoso para o universo de Tolkien, habitando uma região isolada e sem nenhuma ambição de conquistar novos territórios. Em O Senhor dos Anéis, Sauron é um perigo constante durante toda a jornada de Frodo, com a história levando nossos personagens diretamente a direção daquele conflito. Smaug, por sua vez, não exige o mesmo nível de pressa, sendo uma ameaça controlada em comparação com o que já havíamos visto antes.

Além disso, o próprio dragão nunca foi um verdadeiro vilão. Ainda que seja inquestionável o perigo que Smaug exerce para a trama, o dragão estava longe de um clássico inimigo hollywoodiano, com a história de Tolkien estando muito mais ligada a jornada de Bilbo e seu crescimento como herói do que os perigosos que nosso lagarto cuspidor de fogo poderia causar. E ainda que Jackson tenha tentado resolver esse problema tornando seu dragão ainda mais perigoso, a verdade é que a própria estrutura como a história é contada não parece favorecer seu inimigo.

Comparação com a trilogia do Senhor dos Anéis

O Senhor dos Anéis
Viggo Mortensen como Aragorn em "O Senhor dos Anéis: As Duas Torres" (2002) - Warner Bros./Reprodução

Comparações são inevitáveis – e igualmente desastrosas. Assim como Tim Burton passaria por problemas semelhantes com o seu remake de Planeta dos Macacos, a saga de Bilbo e seus colegas anões também sofreria com as comparações indesejadas da clássica trilogia do Senhor dos Anéis – e com as frustrações que esses paralelos poderiam causar. Enquanto a aclamada trilogia de Frodo angariava prêmios e uma nova leva de fãs a cada novo lançamento, O Hobbit apresentou uma história abaixo das expectativas que haviam sido criadas, e concluiu sua aventura sempre nas sombras de seu antecessor.

A comparação, no entanto, não parece justa. A saga do Senhor dos Anéis é provavelmente uma das maiores franquias que o cinema já viu, com nenhum outro filme lançado desde então chegando próximo de desbancar esse feito. E ainda que outra história de Tolkien pudesse tentar ocupar seu espaço em meio ao sol, a verdade é que nem mesmo ele parece ter conseguido superar sua grande criação – e possivelmente nem quisesse fazê-lo.